quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O QUE PODE VALER UM BOM FILME...


No mesmo dia que oiço notícias sobre o investimento de Portimão na candidatura a fundos comunitários, sustentada por um consórcio de parceiros internacionais, para a construção de uma Cidade do Cinema, que tem por objectivo a produção de sucessos de bilheteira à escala global relembro-me de um filme que vi ontem: Vichy Cristina Barcelona. Assim se chama o último filme de Woody Allen que celebra uma cidade, Barcelona e a cultura catalã. Não tem preço para a região. Durante os 96 minutos em que assisto às peripécias de Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson) e Juan Antonio (Javier Bardem), um belo pintor mais a sua mulher neurótica, Maria Helena (Penélope Cruz), passa por mim o encanto do "savoire vivre"catalão. Mais do que o Parque Güel , a Sagrada Familia, La Pedrera ou Las Ramblas, aqui filmadas ao pormenor, o que ressalta no filme é uma certa maneira de ser espanhola, filmada por um judeu norte americano é certo, mas a descrição de uma certa liberdade de ser meridional, de viver o Verão mediterrânico e de se exprimir, por oposição à forma mais convencional, rígida e ortodoxa dos norte-americanos. Não sei quantos milhares de turistas norte-americanos visitarão a Catalunha nos próximos meses por causa do filme. Mas irão lá (tal como no filme) à espera de serem seduzidos por um qualquer pintor local, para ouvir tocar guitarra à noite, para beberem até cair para o lado, para fumar despreocupadamente ou até para ouvir discutir em voz alta…enfim para viver. Seria interessante a quem decide o turismo Algarvio pensar que a capacidade desta nossa terra se distinguir e atrair visitantes de todo o mundo tem muito a ver com a forma única como as pessoas aqui vivem, como se exprimem artisticamente, como se relacionam, como comem, com a sua genuinidade e qualidade de vida e não apenas com as bolhas estanques de qualidade das Quintas do Lago e dos "resorts PIN de 5 estrelas" rodeados de muros e campos de golfe, mais os empregados servis, que ultimamente se promovem. Basta ir ver o filme e percebe-se de imediato esta questão.

Pedro Graça

Publicado por adf



agricultor algarvio


Comentário:

Obrigado Pedro Graça.
Belo texto. Confortou-me a alma de algarvio.

E poque também não perderia o filme desse sabedor da intuição feminina, a forma doce e suave como deslizámos nos recantos dessa bela cidade de Barcelona, seguindo os guinchos do coração dos intervenientes, bem envolvidos em taças de bom vinho catalão, suavizados pelo toque magistral de uma guitarra que produzia sons "made in". E a abrir e a fechar uma música despretensiosa, que funciona como um apelo a irmos lá inventar a nossa história.

Woody, possivelmente nunca virias a este desgraçado Algarve 2009, mas o de há 30 anos, com o seu cheiro a mar e as tabernas ali plantadas ao lado... esse merecia ser cantado.

O "velho" conceito de fazer turismo, de rua abaixo até ao mar para suavizar os calores meridionais e rua acima até às sombras do Largo, para ouvir o barulhar das conversas regadas com uma pinga do Ti Manel, e as sardinhitas de escabeche da dona Almerinda, já só fazem parte de uma memória, graças aos esforços dos "videntes" dos conceitos de encaixotar clientes ou escondê-los em guetos de gente fina para comerem tudo ao meunier.

Ai meu rico Algarve, que não tem a guitarra catalã, mas tem os ferrinhos e a voz medronhada do Joaquim do Barrocal, não tem os velhos empedrados das ruas estreitas das aldeias brancas, muitas delas cercadas de pinheiros ou amendoeiras, porque os senhores de Cascais ou do UK, vieram fazer um resort de palmeiras e piscinas ou um Bar very british, para que os turistas se sintam em casa.

O Algarve que apaixonou gente de fama que por aqui passou e ajudou a divulgá-lo, que andavam despreocupados em sandálias e de camisa aberta misturados com a populaça e faziam uma festa na hora da partida e da chegada, foi substituído pelos novos ricos da bola, ou dos fundos de investimentos de um qualquer paraíso fiscal, que olham para a nossa riqueza paisagística como meras fontes de enriquecimento a qualquer preço.Lembram-se da ideia de fazer uma ilha das arábias em frente a Vale do Lobo e que o seu maior entusiasta era um conhecidíssimo louletano?

Choro por ti meu Algarve, que nestas entradas de século novo, ainda não se faz nada para curar as tuas feridas abertas e só nos chegam noticias de betão e matas derrubadas que a vilanagem dizem ser o melhor para nós todos.

Tem avonde a minha escrita que tou a ficar almareade de dor.

Luís Alexandre

2 comentários:

Anónimo disse...

Mosse Debe, albufeira há trinta anos era a vila mais bonita, tinha tudo no lugar mas vieram os pedreiros e com mais os amigos da terra que lhes deram carta branca a troco de tostões, deu na merda em que estamos e ainda há quem se gabe de ser a que tem mais qualidade.
Mosse Debe que a minha alma sangra.

Anónimo disse...

É bem verdade, o nosso futuro vai fazer-se só de memórias... mas nós algarvios temos culpas... cada um à sua maneira... fazendo ou deixando fazer... os nossos netos vão viver das imagens e das histórias dos livros.
Na minha classe, há quem não saiba o que é a neve branca do Algarve...

professor