Texto publicado na edição de ontem no jornal "Barlavento":
Os incidentes de Albufeira
prenunciam uma situação irreparável?
Já foi o tempo em que os turistas
se sentiam em casa. Para se perceber os graves incidentes em Albufeira, é
preciso reflectir sobre as políticas liberais seguidas por todos os executivos,
apoiadas na indiferença de uma maioria esmagadora da população, numa grande
Torre de Babel, que não tem raízes e cultura local. Se não há massa crítica, o
campo fica limpo para o que se econde e nem se sonha...
O crescimento turístico e
urbanístico mal planeado (sempre à procura de receitas de IMI e IMT) e o
correspondente crescimento demográfico para solver as necessidades de oferta de
serviços, trouxeram novos problemas de segurança a uma cidade que vive intensamente
metade do ano e dorme na outra metade quase fantasma. Uma massa enorme de gente
enfrenta a sazonalidade e as dificuldades financeiras, incluindo pequenos
empresários. O Inverno traz os roubos e o turismo de risco aumenta no Verão,
potenciados pelos factores alcool e as drogas, apoiados na agressividade de
agentes de terreno que operam no vazio ou ineficácia da lei e do controlo
policial.
Os incidentes recentes, invariavelmente
na Av. Sá Carneiro (vulgo rua da Oura) onde as balas de borracha são o
ingrediente novidade, os piores possívelmente poderão espreitar a entrada, não
são uma ilha e as vontades de os resolver diluem-se em declarações vagas de que
“a Câmara não tem que ver com os incidentes mas vamos reunir com as
autoridades”. Um presidente de Câmara não pode ser tão vago, quando a sorte
ainda não trouxe perdas físicas por movimentos descontrolados...
Incidentes sempre houve, mas a
eventual conotação com gangs organizados a partir de fora obriga a níveis
superiores de atenção e organização das respostas. Um governo camarário tem de
se antecipar. A questão dos reforços policiais para o controlo do Verão, pelos
vistos não se pode cingir só a efectivos, mas também a outras funções de gestão
dos visitantes, se eles vêm organizados para desacatos e porquê.
Albufeira é uma cidade que vive
exclusivamente do turismo, agora massificado e democratizado a um baixo
nível... emprega dezenas de milhares que vendem a força de trabalho sem outros
recursos ou capacidades mas, as autoridades locais insistem no seu velho modelo
de muita conversa e pouco serviço. Habitação social é uma miragem, a estrutura
educacional deficiente, o custo de vida é muito alto, a oferta de serviços é
modesta a quase todos os níveis, criando desconforto estrutural e propiciando
mentalidades de reacção que podem ter direcções permissivas e conflituosas...
Se juntarmos ao terreno movediço
local as ambições de organizações ou indivíduos que não trocam a lei pelos
lucros, outros de fora podem ser aliados destes factores de desorganização e
explorá-los com as imagens que agora correm mundo sobre o que nasceu uma vila
pacata de pescadores que encantou a Europa e uma parte do mundo. Neste momento,
perante factos graves, e discordo de todos que lhe tirem a carga explosiva, a
imagem que damos é de um pequeno farwest turístico, um modelo desestruturado
onde parece que não há mão...
Luís Alexandre
Presidente da ACOSAL