O presidente da dívida
Com o mais miserável orçamento de Estado da democracia de
pacotilha como pano de fundo, o ano de 2011 acaba com o Governo em piedoso
crescendo de anúncios de austeridade e o presidente da República obrigado ao
jogo de se colocar do lado da pobreza para convencer que temos de aceitar tudo
com muita coragem.
Cavaco Silva, a múmia reeleita sobre a construção da dívida
pública e da privada (de que se fala menos mas também pilhou a Banca), sabia
que o silêncio de quatro anos ganhava em todas as frentes. Aumentava-lhe as
hipóteses de reeleição, acumulava os ganhos da dívida para a classe que
representa, favorecia o atoleiro do socratismo e abria o espaço para o regresso
ao poder dos partidos da sua esfera de interesses.
Na absoluta incerteza em que vive o país, onde o Governo gere
as ordens externas e faz a diferença com acrescentos de bons serviços, o
presidente fala em defesa dos interesses globais, no conhecimento da iniquidade
da direcção das medidas tomadas que condenam quem produz e iliba quem acumula
os rendimentos.
Não precisávamos da notícia vinda de fresco da UE de país
mais desigual no ataque à crise, para sabermos da voluntariedade do Governo em
sobrecarregar as camadas desfavorecidas da população. No reverso, e à cautela,
não vão os portugueses abandonarem os bons costumes, as empresas que
patrioticamente não puseram os dividendos a salvo em paraísos, encetam esse
caminho.
O presidente, velho companheiro da dívida e das suas consequências,
conhecedor profundo dos mecanismos do capitalismo e das suas crises, por todas
as razões, sabe bem qual é o seu papel nestes tempos dramáticos. Precisa de
usar o seu pedestal e a vassalagem de uma importante faixa de pouco
incomodados, para os jogar no papel religioso de anestesia do levantamento do
descontentamento popular.
O discurso do presidente deste ano novo, para além do
ritual, abandona o paternalismo e o silêncio comprometido do primeiro mandato para
a nova postura de concertação estratégica à volta das políticas do Governo. O
discurso marca a divisão da sociedade e aclara a duplicidade do uso do cargo
para a falsa modéstia de uma preocupação com o emprego e o crescimento.
Este presidente da dívida, sabe muito bem que o dinheiro
pedido não lava as feridas das finanças e que na profundidade da recessão,
muito menos será usado em quaisquer medidas de relançamento da economia.
Este presidente da dívida, que nunca afrontou o despesismo
socratista, também não tem autoridade para impor qualquer rumo ao Governo. Cavaco
não passa de um peão, assinará todos os passos do Coelho e a sua utilidade está
na legitimação de todas as ordens do Governo, desde a espoliação da população à
repressão da sua resistência.
Cavaco Silva, como uma das partes integrantes da dívida,
desde a sua génese à dimensão de monstro, nunca levantou a voz para exigir
outras políticas. Nem isso alguma vez esteve nas suas intenções.
O discurso de fim-de-ano, oco como o personagem, despertou
nos partidos e centrais sindicais comentários com a mesma insalubridade.
Todos tentam enrolar-nos com discursos, enquanto a população
agoniza. E quem fala de reacção,
organização e luta?
Luis Alexandre
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