segunda-feira, 8 de março de 2010

Com a devida vénia, publicamos um post da "Defesa de Faro", onde se comprova que o noso trabalho político feito para além do nosso blogue, já movimenta mais opiniões e opinadores, que acompanham e se preocupam com os problemas globais e sectoriais do Algarve, onde Albufeira é considerada um exemplo pela negativa, daquilo que deveria ser o tão propalado desenvolvimento sustentado.

Parabéns ao autor do texto!



Albufeira e favela da Rocinha, geminação já!


Albufeira anos 50/60
"Entrei na adolescência em 1970, quando a vila onde passei a
adolescência começava a ser levada pelo progresso. Esta vila tornou-se
um sítio repelente para quem a recorda como um lugar plácido e
matutino que, em duas décadas, só lá voltei uma vez e vagueei pelas
ruas agoniado de melancolia e raiva. Não regressarei."
Paulo Varela Gomes

Paulo Varela Gomes não nomeia, na sua crónica, a vila a que se
refere, mas bem poderia ser Albufeira, a quem eu também resisti duas
décadas a acumular coragem para ali regressar, temeroso do choque que
inevitavelmente iria sofrer.
Na verdade, tudo o que ali me foi dado ver, ultrapassou de longe as
expectativas mais negras de 20 anos de ajustamentos interiores para
uma previsível visão devastadora ("tudo muda de maneira muito mais
brutal, no meio de extraordinária fealdade e muito sofrimento", refere
ainda o mesmo cronista).

Albufeira era, nos anos 60 e 70, um daqueles raros lugares míticos
que era revelado de viajante a viajante, quase em segredo, como um
shangri-la recém descoberto, não nos Himalaias ou no Hindukush mas,
milagrosamente intacto, num recanto da Europa.
Alcandorado em extática contemplação de um mar e de um céu de azuis
únicos ("...no mundo só encontrei no Arizona um céu com esta
luminosidade!"
Caetano Veloso), o alvo casario, escorrendo em cascata
a cada reentrância das arribas, parecia, no seu conjunto, uma
efabulação de poeta árabe, inebriado pelos eflúvios de um narguilé.
Esta obra-prima do acaso levou centenas de anos a ser construída, a
complexizar-se, a refinar-se, numa sinfonia de inesgotáveis
dinamismos, interpretada por muros, arcos, abóbadas, chaminés, cal e
cores.

O apogeu de Albufeira durou pouco, como pouco durou o idealismo dos
anos 60 e 70.
Sucedeu-lhe o novo paradigma que, em poucos anos, colocou o Planeta em
perigo eminente: o "garimpismo".
Podemos imaginar a visão que um ET tem do planeta Terra, nos tempos
que correm: milhões de criaturas neuróticas, de olhos febris de
cobiça, a revolver freneticamente as entranhas da Terra, a saquear
tudo o que luza!
O Homo sapiens está muito rapidamente a involuir para Homo
"consumator",
renegando o ser e superlativando o ter, o que representa
um perigoso retrocesso civilizacional.
Em Albufeira o "garimpo" tem rivalizado com outros exemplos de
antologia, geralmente situados mais a sul no planisfério.
De tal forma que, hoje em dia, já não há ouro em Albufeira: resta
somente escória e desolação!
Amplificado pelo provincianismo,"pato-bravismo" e profunda
ignorância, o povo albufeirense, guiado por autarcas de pacotilha (e
outras más companhias), fez em fanicos, em pouco mais de 20 anos, o
ícone supremo da beleza territorial portuguesa além fronteiras.

A visão de fealdade do conjunto do povoado é deprimente mas, é nos
detalhes, que a dimensão da hecatombe nos guina à realidade deplorável
da favela.
Dizia Frank Lloyd Wright que Deus está nos pormenores. Em Albufeira
o Diabo anda à solta em cada momento de percepção e em cada segundo de sensação!
Já referi, anteriormente, que em Portugal temos que usar palas nos
olhos para esconder as aberrações daquilo que ainda resta de belo. Em
Albufeira, nem mesmo um cego está em segurança: arrisca-se a cada
passo a tropeçar nas lajes partidas, nos passeios esburacados e nos
pinos e postes semeados num caos de desmazelo total.
Para quem não sofre da visão, a tortura, contudo, é muitíssimo maior:
- Fachadas das casas e telhados vandalizados por uma parafernália
avassaladora de quinquilharia infinita - ares condicionados como uma
praga de sarna; estruturas de anúncios com cores garridas para todos
os (des)gostos; tubos de exaustores como lombrigas imergindo de dentro
das paredes; chaminés de zinco por todo o lado, pretos de óleo
queimado dos restaurantes; parabólicas e maquinaria pesada nos
telhados às centenas sepultando as antigas chaminés em ruínas;
marquises e alumínios de subúrbio faiscando a luz solar em todas as
direcções; cabos pretos retorcendo-se por tudo o que é sítio, como se
uma aranha gigante ali tivesse tecido uma teia constritora!
- Restaurantes e cafés portugueses forrados a plástico, inox e
azulejos de casa de banho; pubs ingleses no seu ridículo imperialismo;
lojas de fancaria ("artesanato") que tresanda a "made in China";
escritórios de imobiliário, porta sim porta sim, vendendo a terra como
os lupanares vendem a carne; casas antigas arruinadas, desconchavadas ou abastardadas com os mais vis artilhamentos que a insensibilidade humana pode conceber; casas novas em despudorado "falso típico" ou em socalcos de desmesuradas volumetrias betonizadas!
Mas há muito mais para contar. Por exemplo, ridículo e avulso: a
praga de enormes caixas, todas devidamente "pixadas", que neste
momento crescem como cogumelos em cada canto e em cada esquina (na rua
principal, a partir do túnel, numa extensão de 30 metros, contei mais de 20); a relva sintética que "cresce" no jardim principal; os ferros de protecção de lojas com as configurações e cores mais estrambólicas; a mania de pintar as cantarias, de portas e janelas, com as mais ordinárias tintas plásticas de cores berrantes.

Vamos subir de tom e de gravidade:
- Áreas significativas das emblemáticas falésias sobre a praia,
onde assenta o povoado, foram destituídas da sua vegetação original,
alisadas, cobertas com betão e pintadas de ocre, numa operação de
artificialização caricata.
- A encantadora silhueta da costa alcantilada para poente, que se
consegue contemplar do miradouro, no extremo nascente da praia dos
pescadores, foi grosseiramente desfigurada pela intrusão brutal dos
pontões da marina, comprometendo para sempre uma vista soberba.
- O elevador "à Óscar Niemeyer", construído na praia principal, é
um acto de ignomínia suprema. A sensível harmonia da praia, que tem
como actor principal o carismático rochedo do Peneco, recebeu, com
aquela invasão, uma machadada dolorosa. Agora, o actor principal,
aquilo que domina a praia icónica de Albufeira é, na sua arquitectura
fátua, aquela excrescência risível, monumento à aselhice humana!

Aselhice, em toda a sua extensão, é o programa Polis, criador deste
ridículo arremedo modernista, de uma surrealista escada rolante sobre a praia dos pescadores (deve ser único no mundo!), dum terreiro de laje branca e pirosa sobre a mesma praia, tal como as lajes de pedra escura, ordinária e dissonante das zonas pedonais (muitas dessas lajes já estão partidas)!
O programa Polis de Albufeira, concretizado por uma equipa de
doutos técnicos da capital, não fez mais do que dar o golpe de
misericórdia a esta antiga "acrópole" do Atlântico.
Não posso, ainda, deixar de falar na destruição do jardim de
expressão romântica, no coração de Albufeira, por esses ilustres
arquitectos, mensageiros da modernidade, que ali implantaram um
"arrojadíssimo" (completamente pífio) jardim, todo zen e todo "Siza"
(que já está todo escalavrado).
Parece que as inundações também não têm contribuído para a
absolvição dos engenheiros da obra.

O que resta, então, de dignidade, de riqueza e de humanidade em
Albufeira? -Quase nada!
Tudo gira, monocordicamente, em torno do" tlintlin" da caixa
registadora que cobra as magras posses de um turismo de aviário,
condenado à exaustão. O cosmopolitismo é assegurado por hooligans e
"lumpen" da periferia de Liverpool e Manchester, que se passeiam como
zombies, atordoados, de dia pela ressaca e pelo sol, à noite pela
cerveja e pelo gin.

Por tudo isto, eu defendo firmemente a geminação de Albufeira com a
favela da Rocinha, tendo por base a sua grande afinidade!
Só num aspecto são muito diferentes:
-Não é na fealdade generalizada que as caracteriza, não é na
parafernália das excrescências de "lataria" que as juncam, não é no
caos urbanístico que ostentam, não é no desmazelo e na incúria que
afectam...
Então, em que é que são muito diferentes?
- Obviamente no Carnaval!

Fernando Silva Grade

Albufeira por Fernando Silva Grade

















1 comentário:

Anónimo disse...

Não há dúvida de que o articulista caracterizou com inegável perícia o estado catastrófico a que chegou aquela que já foi considerada a capital do turismo algarvio - Albufeira.
Como diria um conhecido jornalista, transformaram Albufeira num sítio ridículo,sujo, manhoso, corrupto e, obviamente, cada vez mais mal frequentado.