Um excelente texto para ser lido e reflectido:
Porque Seguro caíu?
Há em Portugal aquele péssimo, erróneo e contra-revolucionário hábito
de se entender que os partidos políticos não se devem meter na vida uns
dos outros, deixando que cada qual cozinhe à sua maneira e nas suas
próprias águas as crises políticas por que vai passando, como se tudo
aquilo que acontece a um partido, por mais ou menos
influente que seja, nada tivesse a ver com as classes e com a luta de
classes que caracterizam a vida política no País e não devesse merecer
de todos os partidos, de todas as classes e de todos os cidadãos
conscientes uma apreciação interessada e criteriosa.
Esse
hábito reaccionário e burlesco reanimou-se agora com a grave crise
política que abala e envenena o partido socialista . Do PCP ao CDS,
passando pelo PSD, o BE e até pelo recém-chegado cónego Pinto, todos se
escusam de proferir opinião própria sobre a crise do PS, invocando em
apoio ideológico aqueles consabidos provérbios ultra-reaccionários de
não meter foice em seara alheia, nem colher entre marido e mulher, sem
sequer curarem de saber se Costa e Seguro gostarão ou não de se verem
representados em tão equívocas intimidades...
Ora a questão, do
maior interesse como se vê, é esta: porque é que Seguro, ao cabo de
três anos e sem passar pelo escrutínio legislativo, caiu como um tordo
numa tarde alentejana? Dir-me-ão que não caiu ainda... Mas a sua queda é
absolutamente inevitável...
Na verdade, Seguro caiu – ou irá
cair muito em breve – por causa de uma contradição absolutamente
insanável, que caracteriza a natureza do partido socialista: um partido
que se reclama do apoio dos trabalhadores e da classe média (a
pequena-burguesia), mas que propaga e defende a política definida e
aplicada contra os trabalhadores e a pequena-burguesia pelas
instituições europeias, pelos credores do Estado, pela Tróica, pelo
capital monopolista germânico e pelo imperialismo.
Tal é a
contradição que provoca todas as crises cíclicas do PS e, mais dia menos
dia, vai dar cabo dele, como já deu cabo do partido socialista
italiano, já atirou para quarto lugar do espectro eleitoral o partido
socialista grego (Pasok), já despachou para terceiro lugar, com 13% do
eleitorado, o partido socialista francês, ainda há dois anos com a
maioria absoluta, que lhe permitiu eleger um presidente da República à
primeira volta, já expulsou para terceiro lugar o partido trabalhista
britânico e até já expediu para urgente congresso extraordinário de
recauchutagem o partido socialista espanhol na oposição, afectado da
mesma doença oncológica que atinge o partido de Seguro e de Costa.
Ao contrário do que pretendem os comentadores políticos encartados nos
órgãos de comunicação social, não foram os resultados das últimas
eleições europeias que provocaram a actual crise do partido socialista;
ao invés, esses resultados apenas contribuíram para pôr a nu a
verdadeira crise que consome o PS e que assenta na contradição política e
ideológica que acima ficou descrita.
Decerto que nenhum
operário esqueceu ainda – e também não o esqueceu nenhum elemento da
classe média – que a situação de exploração, de roubo e de miséria em
que todo o povo português vive hoje se deve à política do governo de
Sócrates e, na sua continuação, à política do governo de traição
nacional Coelho/Portas.
Quando António José Seguro, após a
clamorosa derrota eleitoral de Sócrates, que entregou o Poder à direita e
à extrema-direita, se alcandorou ao cargo de secretário-geral do
partido socialista, esperar-se-ia que o novo líder dos chamados
socialistas portugueses criticasse, sem ambiguidades, a política de
Sócrates e do respectivo governo do PS, apresentando no congresso da
vitória a linha e o programa políticos que iriam substituir a linha e o
programa derrotados de José Sócrates.
Mas não! Seguro não só
não criticou Sócrates e o caminho do seu governo reaccionário,
responsável pelo resgate dos credores externos, imposto a Portugal pelo
memorando de entendimento e pelo controlo da Tróica, não só não criticou
Sócrates e o seu governo nem submeteu todo o PS à correspondente
autocrítica política, como se declarou pronto a assumir as
responsabilidades provenientes daquela política governamental suicida.
Seguro aceitou o memorando de entendimento, aceitou a Tróica, aceitou a
política da Tróica e aceitou, votando a favor no parlamento, os
primeiros orçamentos do governo Coelho/Portas impostos pela Tróica.
Pode ser que já ninguém se lembre hoje, mas Seguro aprovou, com o seu
voto de traição, o orçamento de ladrões e de ladroagem assinado por
Coelho, por Portas e por Gaspar.
Seguro, esse mesmo seminarista
que está agora de saída para Penamacor, apoiou o traidor Proença, líder
da UGT, na assinatura do acordo tripartido (UGT, governo e patronato)
dito de competitividade e emprego, que é o instrumento responsável pela
emigração compulsiva de meio milhão de jovens, pelo desemprego,
inemprego e inempregabilidade de dois milhões de trabalhadores, pelo
aumento da duração da semana de trabalho de um mínimo de quarenta horas
para um limite que pode ultrapassar as cinquenta horas semanais, pelo
despedimento sem justa causa, pela redução do salário no trabalho
extraordinário, pela eliminação de quatro feriados sujeitos a trabalho
não pago.
Foi Seguro e todo o grupo parlamentar do PS quem se
absteve na votação de todos os orçamentos do segundo ano de Tróica, e
quem se absteve, com o mesmo grupo parlamentar, na votação do novo
Código do Trabalho, código que em quase nada se distingue, não viesse
ele recomendado por Merkel e Schäuble, dos regimes nazis de trabalho que
existiam em Auschwitz, Dachau ou Treblinka.
Seguro
mancomunou-se com o xexé de Boliqueime e, aqui tão perto como no Verão
passado, esteve prestes a chegar a um acordo com o governo de traição
nacional Coelho/Portas, impedindo, em todo o caso, que esse governo
caísse e o presidente se visse forçado a dissolver a Assembleia da
República e a convocar eleições legislativas antecipadas.
Seguro é aquele trânsfuga socialista que, ainda só há cinco meses, se
aliou com o governo de vende-pátrias Coelho/Portas e permitiu que os
capitalistas operando em Portugal vissem um desconto de 2% no imposto
que haveriam de pagar ao Fisco, isto num momento em que até pensões
miseráveis inferiores a 500 euros eram compelidas a pagar 18 euros de
contribuição extraordinária de solidariedade...
E mais! Foi
ainda este mesmo Seguro que, mais uma vez, assinou o Tratado Orçamental,
tratado que liquidou totalmente a soberania portuguesa na elaboração do
seu próprio orçamento, fixando-lhe antecipadamente o tecto máximo da
dívida externa em 40% do PIB e o défice orçamental em 0,5%.
Este Seguro foi ao ponto de apoiar Coelho e Portas na reforma do
regimento da Assembleia da República, liquidando alguns dos poucos
direitos que a oposição conservava desde 1976.
Mas não é tudo. O
pior é que Seguro e seus capangas, por mais do que uma vez, deixaram
bem claro que, em caso de não obterem maioria – ou mesmo obtendo-a a sua
preferência para alianças parlamentares ou governativas iria para o PSD
ou até para o PSD e o CDS.
Ora, como é possível que um povo,
massacrado nos últimos três anos por uma política de desemprego,
emigração, roubo salarial, cortes nas pensões, aumento nos impostos,
austeridade e pobreza, pode permitir que um partido, que se reclama dos
trabalhadores e da classe média e é o principal partido da oposição, se
proponha alianças futuras imediatas com a coligação que tem estado no
Poder nestes últimos três anos de extrema miséria?
Claro está
que aquela contradição superior e suprema, que representa a natureza e a
matriz do PS, não irá desaparecer com a queda de Seguro.
O
problema existencial do PS não é Seguro nem nenhum dos membros da sua
elite dirigente: António Costa, Ferro Rodrigues, José Sócrates ou
qualquer outro. Também estes últimos já expressaram, por mais do que uma
vez, a sua disponibilidade para amanhã, ganhasse o PS as eleições
legislativas, se aliarem às forças que hoje exploram e oprimem no
governo os trabalhadores e o povo português.
Já alguma vez viu o
leitor, nestes últimos três anos, António Costa, por uma só vez que
fosse, condenar a assinatura do tratado orçamental por Seguro; condenar a
votação parlamentar ou a abstenção dos orçamentos apresentados pelo
governo PSD/CDS; condenar a abstenção na votação do novo Código do
Trabalho ou o corte de 2% do imposto dos capitalistas?
Não, com
certeza que nunca viu! Eles – Seguro, Costa, Sócrates, Ferro Rodrigues –
são todos iguais dirigentes oportunistas de um partido oportunista.
O partido socialista português pode desaparecer - como aliás já
desapareceu uma vez, quando tinha à sua frente homens da maior
consideração como Antero de Quental ou Fontana -, mas não se espere que,
com os actuais dirigentes, se ligue alguma vez à esquerda, aos
operários, aos trabalhadores e constituam, como o obrigam as suas bases
de apoio, uma frente democrática e patriótica, capaz de salvar o país da
crise em que vive e de restituir-lhe a democracia, a soberania e a
independência nacional.
O caminho está traçado há muito pelos
operários e pelo povo. Veremos, todavia, sem nenhuma espécie de ilusões,
como cai Seguro e como se alevanta quem o vai substituir.
Sempre sem ilusões!
Espártaco
segunda-feira, 2 de junho de 2014
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